domingo, 19 de dezembro de 2010

Palavras engavetadas

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é o meu neto. Ele foi morar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chise. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser um instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume novo de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve/ que eu não sei a ler. Aquele preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.
Música do dia: "Everybody hates me - Vive La Fête"
Foto: "Palavras - Txocolatxi"
Texto: "Cabeludinho - Manoel de Barros"

Um comentário:

  1. Pra ser AMIGO tem que ser especial!!E vc é. Assim, digito meu login no computador,
    e me conecto ao “pandion”, lá está você. Mesmo estando virado pra “lua”, o papo flui. Eu quero que saiba que pode contar sempre comigo a qualquer hora que precisar. Você tornou-se uma parte especial de minha vida. Como eu abençôo o dia que nos conhecemos!!!Adoro tu!!! Feliz 2011!!Um xero meu e um abraço de “pai”.

    Um lembrança do seu poeta ëspecial"


    No descomeço era o verbo.
    Só depois é que veio o delírio do verbo.
    O delírio do verbo estava no começo, lá, Onde a criança diz:
    eu escuto a cor dos passarinhos.
    A criança não sabe que o verbo escutar não
    Funciona para cor, mas para som.
    Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
    E pois.
    Em poesia que é voz de poeta,
    que é a voz
    De fazer nascimentos -
    O verbo tem que pegar delírio.

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